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Ao contrário do que disse o prefeito Bocalom, floresta em pé é garantia de vida digna e futuro

Por Inácio Moreira

09/07/2024 às 01:28:58 - Atualizado há

O prefeito Sebastião Bocalom deve estar correndo desesperado atrás do eleitorado de direita, aquele que é contra vacinas e usou cloroquina e ivermectina para se "prevenir" do vírus da Covid-19 na pandemia. Só isso explicaria ele ter voltado a falar mal da floresta em pé e pregar a derrubada de árvores para a abertura de "lavouras" e, quiçá, criação de boi.

É fato que Rio Branco conta com esse eleitor negacionista e identificado com a extrema-direita. É fato também que, na maioria das vezes, os políticos locais correm mais atrás deste que da porção esclarecida e progressista dos cidadãos da cidade. As razões para isso, só muita terapia poderia explicar.

Outro dia, em um evento público, Bocalom disse que a floresta mantém as pessoas na miséria. Usou como evidência o fato de que, em Rio Branco, há mais gente recebendo auxílio do governo, como Bolsa Família, do que trabalhando com carteira assinada. Em sua análise, a culpa é da natureza virgem e do excesso de árvores em nosso território. Pelo visto, o prefeito está falando sobre o que não entende e nem conhece.

Primeiro, esclareça-se: Rio Branco tem 17% da população recebendo bolsa auxílio, percentual que é menor que a média das capitais brasileiras, de 20%. Segundo, menos de 10% da população de Rio Branco vive na zona rural. E terceiro, nos tempos atuais, segundo especialistas, não é correto correlacionar acesso a benefício de programa social com trabalho assalariado com carteira assinada, quando tanta gente está trabalhando em atividades sem registro formal, como entregadores, ubers e outros fornecedores de serviços, por exemplo.

Dito de outra forma, as rápidas transformações por que passa o mundo do trabalho impõem outras formas de análise da situação do emprego, além de olhar para carteira assinada.

Outra afirmação "complicada" do prefeito é a de que a saída dos problemas econômicos do município que administra passa pela produção agrícola. Um evidente erro de análise.

Com pouco mais de 8% de sua população vivendo na zona rural, é difícil enxergar como essa atividade poderia responder pelas necessidades de emprego da população jovem, por exemplo, hoje majoritariamente desempregada. Ou por saídas econômicas para famílias monoparentais, em que mulheres arrimo de família lutam para trabalhar, cuidar dos filhos e de suas próprias vidas. Mesmo que Rio Branco viesse a se transformar num oásis de soja e gado, não daria certo.

Mas, o mais interessante de ser analisado é a afirmação de Bocalom de que os governos progressistas e de esquerda "atrasaram" Rio Branco e o Acre por apostarem em um modelo de desenvolvimento comprometido com a manutenção da floresta em pé. Essa mesma afirmação comumente aparece também nos discursos de Márcio Bittar, Roberto Duarte e outras expressões da extrema-direita acreana.

Pelo que se pode interpretar do que disse o prefeito, a agricultura teria sido abandonada em benefício da preservação ambiental a qualquer custo. Para sustentar a afirmação, nenhum dado ou "indicador" é usado, tudo fica no campo da opinião. Parece que está a confiar na tal "pós-verdade", em que opinião é mais importante que informação. Acontece que Bocalom não é uma pessoa qualquer. Estamos falando do prefeito da cidade, do homem encarregado de tomar decisão sobre a aplicação de significativos volumes de recursos públicos. E, como sabemos, diagnóstico errado leva a decisões erradas - um perigo especialmente importante em se tratando do dinheiro de todos nós.

Para consolidar a crença de que a esquerda "atrasou o Acre", o prefeito e seus amigos da direita acreana comumente valem-se da confusão de sentimentos que tomou conta do eleitor e envolvem coisas distintas como o cansaço da sociedade acreana depois de 20 anos do mesmo campo político ocupando o poder, a emergência de uma nova juventude que não conheceu o Acre antes dos governos progressistas, os erros de condução política, comuns a quem fica tanto tempo à frente de governos, e, principalmente, a chegada recente da fronteira agrícola a Rondônia e à região conhecida como AMACRO, que inclui o sudeste do Amazonas e o nordeste do Acre, além da já mencionada Rondônia. Aliás, a comparação com o dinamismo econômico do estado vizinho tem sido o grande motor do discurso antiambiental dessa gente. Faz sentido o que dizem? Não, nenhum sentido! Vejamos.

É fato que não houve atraso. Se alguma acusação pode ser feita ao progressismo acreano, é a de ter adiantado o Acre para além do que as elites econômicas locais e boa parte do povo estavam preparados para absorver. Veja, vinte anos atrás o governo do Acre, sob Jorge, Binho e Tião Viana, já falava e desenhava políticas públicas sobre temas como economia de baixo carbono, política indigenista, gestão de florestas, gestão de recursos hídricos (água), crédito de carbono e serviços ecossistêmicos, compensação ambiental e outros, para falar de apenas alguns. Temas que somente agora o Brasil e o mundo estão conseguindo discutir. E o faz na marra, em reação aos rápidos e destrutivos efeitos das mudanças por que passa o clima planetário. Vejamos o caso do crédito de carbono. Enquanto o Acre tem legislação, órgãos criados, competência técnica instalada e políticas desenhadas há muito tempo, somente agora a legislação federal está sendo criada.

Sobre os efeitos devastadores das mudanças climáticas, peguemos o que aconteceu recentemente no Rio Grande do Sul. Ele é uma amostra das tragédias que estão por vir. Imaginemos se os mais de oitenta bilhões de reais que terão que ser gastos para reconstruir o estado estivessem sendo investidos para proteger florestas e melhorar a vida de nós, amazônidas, o quanto do impacto das mudanças estaria sendo evitado! Outro caso à vista de todos é o que está acontecendo no Pantanal, com queimadas alastradas numa proporção nunca vista.

Voltando ao tema, a rigor poderíamos dizer que o problema do Acre nem foi ter se adiantado na proteção de florestas, rios, biodiversidade e povos indígenas. A questão é que o mundo se atrasou para reconhecer a necessidade de compensar quem se comprometeu em fazer isso. Veja, nós somos produtores de água para o agronegócio do sul e centro-oeste brasileiros. Sem a água da Amazônia não haveria soja ou milho no Mato Grosso ou no Paraná. Sem a preservação da biodiversidade, o ecossistema amazônico se desorganiza e perde a capacidade de manter em pé as fabulosas árvores capazes de bombear até mil litros de água por dia na atmosfera. Tais árvores, na quantidade colossal que somente a Amazônia apresenta, ajudam a regular o regime de chuvas de praticamente toda a América do Sul, garantindo o suprimento de água para regiões que, de outra forma, seriam desertos quentes e áridos. Então, proteger a Amazônia é proteger a economia brasileira neste momento. E é garantir um "estoque" de diversidade genética do qual o mundo muito precisará pelos séculos à frente. Então, quanto deveríamos estar recebendo por isso? Seguramente, muito mais do que recebemos hoje.

Outra falácia contida na fala do prefeito é a de que a esquerda abandonou ou atrapalhou os produtores rurais. Vejamos o caso da pecuária. O rebanho bovino do Acre, entre 1998, quando Jorge Viana assumiu o governo, e 2018, quando Tião Viana o entregou a Gladson Cameli, saltou de 800 mil para 4,2 milhões de cabeças de gado. Crescimento de 425%. Como isso teria sido possível se o governo estadual operasse contra a atividade? Ao que consta, foi nesse período que o IDAF foi criado e que a feira agropecuária foi ampliada e, inclusive, interiorizada para a região do Juruá, para citar apenas alguns exemplos. Consta, ainda, que com financiamento do BNDES e do PRONAF, grande volume de recursos foi investido na agricultura familiar numa tentativa, às vezes até desesperada e atabalhoada, de estruturar cadeias de produção em culturas agrícolas.

O fato é que houve investimento e ele não foi pequeno. A discussão deveria ser outra. Ajudaria mais se estivesse na direção de porque não vingou como era esperado. Que fatores internos e externos comprometem o desenvolvimento da economia agrícola acreana e mantêm na pobreza boa parte da população local? Ou se estivéssemos debatendo sobre como fazer para atrair capitais, como internalizar investimentos que possam promover negócios capazes de gerar empregos e riquezas para o nosso povo. Melhor ainda se nossa discussão fosse sobre como gerar negócios capazes de aproveitar as oportunidades que se abrem com a economia verde, a bioeconomia, o potencial genético da região e a busca por soluções sustentáveis para os desafios do milênio que avança. Ficar alimentando fantasmas com discursos descontextualizados e desconectados da realidade do mundo em nada contribuirá para a busca dessas soluções. Parece que, nos últimos anos, a grande safra acreana é a de maus políticos, infelizmente.

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